sexta-feira, junho 24, 2011

Quem não tem sonhos impossíveis?

Procurava repouso entre os mortos, mas estava vivo. Indubitavelmente vivo. Brutalmente vivo. Eternamente vivo. Vivo como mais ninguém poderia estar. E, por isso, se os mortos não lhe podiam fazer companhia durante o sono, os vivos também não eram uma companhia agradável no estado de vigília.
Queria a morte, mas tudo o convidava à acção. E, para que a acção se concretize é necessária a vida. Vida essa que tinha para dar e vender, que vivia morbidamente, de uma forma tão real e absurda quanto intangível para os demais.
Não, definitivamente não pertencia a este mundo. Aqui não podia morrer nem viver. Não podia simplesmente ser e, por ter sido inserido no local errado, não se enquadrava em nada. Nada, nem sequqer no vazio, no vácuo ou, talvez, no espelho baço a que outros chamam realidade.
O seu pecado original era a vontade impossível de morrer, sendo imortal.
Era a vontade de estar morto na concretização do «não-ser», quando a vontade é característica dos vivos e é a vontade que move o mundo.
Vontade estranha quando o mundo é um livro aberto que nos diz: escreve aqui qualquer coisa... mas sabemos que um morto não pode escrever.
E esse vivo, morto apenas no seu mais profundo e secreto sonho, era deus.

1 comentário:

  1. Quantas vezes não quisemos ser o que não podemos? Quantas vezes não nos sentimos presos a uma realidade que parece pertencer a outras vontades? Quantas, quantas... QUANTAS! Quantas não são as questões a que ainda hoje não sabemos responder? Tantas, tantas... nenhumas!
    Perguntas sem resposta não são perguntas, são pequenos momentos em que nos perdemos de nós mesmos. Será assim? Provavelmente não, mas fica a questão (na esperança que para esta haja uma resposta).

    ResponderEliminar